05 março 2011

AS MARAVILHAS DA ENERGIA EÓLICA - BRASIL

        Uma rodovia que liga Porto Alegre ao litoral corta ao meio o parque eólico. A iluminação dos aerogeradores, que têm altura de mais de 130 metros, propicia um raro espetáculo aos viajantes.

    Um ditado popular no brasil aponta "lá onde o vento faz a curva", em referência a um lugar que é muito, muito distante. Soa pejorativo na maior parte dos usos, mas, para os moradores de Osório, no Rio Grande do Sul, esse lugar é a casa deles - e com orgulho. Localizada no pé da serra Geral, em uma vasta planície repleta de rios e 23 lagoas, a cidade é um corredor natural para a passagem do vento e a criação de correntes ascendentes. É na região do morro da Borússia, por exemplo, que o sopro austral conhecido como minuano - nome de uma tribo indígena extinta - surge de sua jornada desde o interior gaúcho em direção ao oceano Atlântico. O seco e gélido minuano, que ultrapassa com facilidade os 30 quilômetros por hora, não é o único nem o mais temido vento que costuma fazer a curva em Osório. O nordeste, ou "nordestão", como é chamado pelos moradores, pode atingir 100 quilômetros por hora. Comum no verão, dura três dias, mas acaba com a paciência dos osorienses em bem menos tempo.

Em Osório, o vento é mais que apenas uma força invisível - é protagonista do cotidiano e da economia local. Emancipado desde 1857, o município sempre subsistiu sem maiores ambições com base nas atividades agrícola e comercial. Moradores antigos costumavam dizer que ele só conseguiria se desenvolver de verdade quando conseguisse "engarrafar o vento". O futuro chegou em abril de 2006. No dia em que o próprio presidente da República acionou o primeiro aerogerador dos Parque Eólico de Osório (são três parques, Sangradouro, Osório e dos Índios, conectados a uma única subestação), o maior complexo gerador de energia do vento da América Latina, inaugurou-se uma fase não apenas para a cidade mas para todo o país. Osório afinal havia conseguido "engarrafar o vento".

Hoje são 75 aerogeradores em funcionamento. Cata-ventos gigantes, as torres de concreto têm 98 metros de altura e cada uma das três pás que compõem o rotor pesa mais de 5 toneladas em seus 35 metros de comprimento. Com potencial de 150 megawatts/hora, o sistema gera aproximadamente 425 gigawatts anuais de energia, suficientes para abastecer o consumo doméstico de 650 mil pessoas - mais de 15 vezes a população de Osório - e evitar a emissão de 148 mil toneladas de CO2 na atmosfera pelo sistema elétrico brasileiro, economizando 36,5 mil toneladas de petróleo e 41 milhões de metros cúbicos de gás natural. Segundo dados de 2010 da Associação Brasileira de Energia Eólica, Osório produz20% dessa energia no país. E 50 novos aerogeradores estão sendo construídos.

Se o parque rende tributos aos cofres públicos, os vendavais, por outro lado, costumam causar estragos e prejuízos. Ao longo da RS-289, a Estrada do Mar, que liga Osório a Torres, no extremo norte do litoral gaúcho, as tendas de produtos típicos, as placas de publicidade e os eucaliptos que cercam os dois lados da rodovia sempre são castigados pelos ventos. Raízes expostas, galhos na estrada, casas destelhadas e outdoors desfigurados são visões comuns.

Pode ser difícil sair à rua em dia de nordestão. As mulheres evitam usar saia e prendem o cabelo; varais com roupas expostas parecem querer decolar; andar de bicicleta é um desafio olímpico. Certas pessoas, porém, acolhem a ventania como se ela fosse uma dádiva: os adeptos de esportes como o windsurf e o kitesurf, que lotam as águas da lagoa dos Barros. Com velocidade máxima de 85 quilômetros por hora, a raia local só é superada pelas marcas alcançadas por esportistas náuticos nas águas de Lüderitz, na Namíbia, costa sudoeste da África.

Outra modalidade dos esportes do vento é o planador, avião sem motor que depende exclusivamente das correntes ascendentes para planar. O aeroclube da cidade, o Albatroz, foi fundado, no início da década de 1950, por pioneiros da atividade no país, caso de Darci Assis, uma lenda da aviação brasileira. O Albatroz detém o recorde sul-americano de permanência no ar com planador, com uma marca impressionante. Em outubro de 1954, Almiro F. Barrichello e Adalberto Jayme Meneghini permaneceram 11 horas e 37 minutos nos céus da região.

Hoje, ainda que as façanhas de Almiro Barrichello, Meneghini e Assis, falecido em 2005, tenham ficado no passado, a nova geração de voadores luta por seu espaço. O número de pilotos formados no Albatroz cresceu nos últimos anos. Muitos deles seguem carreira nas grandes companhias aéreas do país, mas regressam para Osório sempre que possível - e por uma razão especial. "Apenas com o planador pode-se voar de verdade", dizem em uníssono. A cidade habituou-se ao barulho dos rebocadores, aviões responsáveis em levar os planadores a uma altura na qual possam ser soltos do cabo que os prende. Libertos, os planadores misturam-se aos pássaros, deslizam sobre a vasta bacia hidrográfica, as encostas verdes ainda intocadas do morro da Borússia e retornam mansamente ao ponto de partida, em uma sequência de subidas e descidas que só termina quando o sol se põe no horizonte.

Foi nos céus que, em setembro, o instrutor de voo Frederico Reckziegel, de 29 anos, desfrutou ao mesmo tempo das duas maiores paixões de sua vida. Depois de 11 anos de namoro, ele resolveu subir ao altar com Giani Tricai, de 26. Mas, antes da cerimônia na Igreja do Porto, onde de fato oficializariam o casamento dias depois, ele convidou Giani para um voo especial. "Eu não queria que fosse um passeio como nos tempos de namoro. Daquela vez, eu precisava de uma prova de amor", conta Frederico. Assim se fez. A noiva entrou na cabine do planador Blanik como manda o figurino: de vestido, véu e grinalda. Não faltaram olhares curiosos do público, sempre presente às margens da pista para apreciar as aeronaves. A operação envolveu três aviões, equipe de solo e uma sessão de fotografias para registrar o sonho. Frederico ganhou um presente memorável de sua noiva e o aeroclube registrou outro evento histórico. O velho Darci Assis gostaria de ter presenciado aquele momento.


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Publicado em 12/2010

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